Esse texto foi escrito pelo Fernando Kinas para a apresentação do projeto do Epidemia com parceria da Ação Educativa, e representa o coletivo Epidemia do qual eu faço parte...
Pegue e passe pra frente!
Hoje a questão a responder é a seguinte: porque nós estamos aqui, o coletivo Epidemia, com a Ação Educativa, com dezenas de artistas, ativistas, gente do centro e da periferia, gente da ação e gente da reflexão? Este texto tenta responder a questão.
O Epidemia surgiu há dois anos, mas o nome só veio mais tarde, para discutir o atual sistema de propriedade intelectual e encontrar alternativas aos modelos hegemônicos de direito autoral e de patentes. Nosso objetivo principal pode ser resumido assim: desmercantilizar a cultura e o conhecimento. Nosso horizonte: uma sociedade não capitalista, com livre acesso aos saberes e aos prazeres.
Mas vamos começar com duas historinhas. Há poucos dias um grande jornal publicou matéria mostrando quem fica editando as definições da wikipédia, aquela enciclopédia na internet construída em ação colaborativa por milhões de pessoas. E o que se descobriu? Que o Vaticano mexe nos textos sobre os santos, tentando melhorar eles na fita. Que a CIA mexe na biografia dos seus desafetos políticos. E também que a Ford, a Helliburton (a empresa que foi ganhar dinheiro no Iraque invadido), a Pepsi e outras corporações apagam o que não interessa pra eles. “O que é ruim a gente esconde” já disse um tucano de triste memória.
Segunda historinha: tem um mundo de gente baixando coisas pela internet, inclusive livros, e sabe quem são os campeões?, os livros mais baixados? Harry Potter e a Pedra Filosofal, Harry Potter e a Câmara Secreta, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, Harry Potter e o Cálice de Fogo, Harry Potter e a Ordem da Fênix, Harry Potter e o Enigma do Príncipe, Harry Potter e as Relíquias da Morte…
Moral provisória destas duas historinhas: não adianta ter instrumentos de produção e circulação de informação, de compartilhamento de idéias, de troca de conhecimento, se a gente não sabe o que quer da vida, se a gente for papagaio, miquinho amestrado, colonizado crônico. Não adianta baixar música de graça pra ficar ouvindo Sandy e Júnior.
É por isso que nós estamos aqui hoje. Porque cultura e conhecimentos têm que ser livres e de qualidade. Nós vivemos vinte anos de ditadura militar. Sem falar de outras ditaduras, como a da economia (não custa lembrar que a economia faz parte da sociedade e não vice-versa!) E tem ainda outra ditadura, a da globalização, que por estas bandas significa aceitar o lixo e calar a boca. Então, é preciso aprender a ser livre.
Por isso nós estamos propondo um projeto, que vai acontecer na periferia de São Paulo e em Fortaleza. E este projeto tem que ser daqueles que pensam a cultura e daqueles que fazem a cultura. E mais, o projeto deve ajudar aqueles que fazem arte e cultura a pensar a arte e a cultura, e aqueles que pensam, a exercitar. A política, mesmo a política de esquerda, do jeito que está, mais desagrega do que junta, mais congela do que esquenta.
E ainda tem mais, esse projeto é um grande pretexto, pretexto pra fazer o futuro e não ficar esperando. E o futuro é maior do que seis dias de encontros. Mas sem parceiros não vai pra frente. Então, cada festa, cada oficina, cada encontro ou reunião é também um convite. Convite sem receio, convite pra somar, pra fazer junto. Chega de lembrar só o que nos separa, e nós nos sabemos diferentes, mas também iguais em muita coisa.
Os quarenta livros da Cooperifa e da Toró, os grafites gravando outra história na cara da cidade, os cd’s de rap (esses “livros sonoros da periferia”) que não são produtos com verniz, como o das grandes gravadoras (sacos vazios que não param em pé porque não tem nada dentro), a dança negra/dança ancestral, o teatro que recusa a forma-mercadoria, o vídeo e o cinema que não copiam roliúde, a Semana de Artes Moderna da Periferia. Tudo isso, e muita força, muita dignidade, muita beleza, que as vezes se veste de ira, de porrada bem dada no boca do estômago, tudo isso e ainda o que está surgindo nestes dias que são virgens, que são, quem sabe, imunes ao velho, imunes à prudência medrosa e imunes à opressão e ao cinismo, e prenhes de ousadia e alegria. Tudo isso está na ordem do dia, ou seja, já está debaixo do nosso nariz e ao mesmo tempo precisa ser inventado a cada instante, em todo lugar, em casa, no bar, no trabalho, na reunião, no sarau, no futebol, na escola, na rua.
Cada celular travado que só funciona numa operadora, cada cópia de livro que deixa de ser feita, cada remédio que custa o olho da cara, cada semente patenteada, cada filme que não vai pra sala de cinema, significa propriedade resguardada e acesso negado, significa privatização do conhecimento e da cultura. Nós queremos outra coisa, por isso nós nos chamamos epidemia. Na epidemia a lei é: pegue e passe pra frente. Pegue, use, mude, copie, transforme, subverta, e passe pra frente. Porque o tempo é agora, porque tem que ter pra todos, porque quem espera nunca alcança, porque é tudo nosso!
Força!
Coletivo Epidemia
domingo, 2 de setembro de 2007
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